Vale ou não logar para Mafia: The Old Country
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- 17 de ago.
- 9 min de leitura
Atualizado: 9 de set.
17/08/2025 por Juliana Bolzan
Mafia: The Old Country é o quarto jogo da franquia Mafia, desenvolvido pela Hangar 13 e publicado pela 2K. Após três títulos que se passam nos Estados Unidos da América, cobrindo as décadas de 30 a 70 dos anos 1900, voltamos no tempo e no espaço para conhecermos a origem da máfia Cosa Nostra.

Sicilia, inizio del secolo XX
O esmero com que Mafia: The Old Country retrata a Sicília do início dos anos 1900 é assombroso tanto na qualidade gráfica quanto nos detalhes históricos e culturais. Embora se passe em região fictícia em torno da cidade de San Celeste, o jogo coloca a Itália como um de seus personagens. Os acontecimentos se desenrolam em torno de eventos típicos do país e em particular da ilha siciliana. Podemos apreciar ruínas da época da colonização grega em 700 anos a.C., um esplendoroso vulcão alusivo ao Etna, vasos Testa di Moro bem conhecidos para quem viu The White Lotus, enormes vinhedos e a pisa da uva, barraquinhas com o delicioso arancino (bolinho de arroz frito recheado), pés de limão siciliano e vendas de frutos do mar e de peixes – interessante comentar que, embora sempre pensemos em massas quando falamos da comida italiana, o país sendo quase todo cercado pelo mar torna sua culinária riquíssima também em frutos do mar.

A história inclusive se inicia em uma mina de enxofre, outra acertada caracterização. Na época do jogo a Sicília era uma das maiores produtoras mundiais do mineral. Como o ápice dessa produção foi alcançado às custas da exploração dos trabalhadores, também podemos ver o surgimento de sindicatos, já reflexo da efervescência do movimento socialista. Além desses temas aparecerem nas missões, eles também fazem parte dos jornais colecionáveis. Cada capa com uma manchete curta nos lembra o que estava acontecendo ao redor do mundo nessa época. Também fazem parte dos coletáveis fotografias da bela paisagem e santinhos, uma singela e bonita representação da importância da fé católica para os sicilianos.
O assunto que eu mais esperava que fosse retratado era a música italiana, através da ópera. No trailer do jogo já haviam dado um vislumbre de uma cena num teatro, e a trilha de fundo do vídeo era a ópera Madama Butterfly do compositor Giacomo Puccini. Além disso, o teatro de ópera de Palermo, capital da Sicília, ainda hoje é um dos mais famosos do mundo, sendo o maior teatro da Itália. Imaginei que fossemos encontrar aqui e acolá gramofones tocando óperas como já feito em Red Dead Redemption 2, mas eu não estava preparada para o que entregaram. Por ora, continuemos sem spoilers!
Ainda em termos de imersão, todos os capítulos e missões são apresentados no nome original em italiano. Conferi gameplays em várias línguas e felizmente todos mantinham esse padrão.
Aspetti tecnici
Acho que já deu para perceber que meu foco com esse jogo pouco passaria por aspectos técnicos, porém é importante citá-los, mesmo que não seja minha especialidade. Assim como nos dois primeiros Mafia, a história de The Old Country é linear. Foram cerca de 17h para finalizá-lo, tempo muito parecido com o que despendi em Mafia 1 e em Mafia 2. Hoje em dia isso pode ser considerado um tempo curto por alguns jogadores duvidosos, porém a forma como a história se desenrola é perfeitamente orgânica. E isso que deveria importar, não é? Por muitos momentos fiquei aflita querendo ir ali rapidinho ver o que estava acontecendo no casebre na beira da estrada, mas o jogo colocava um cronômetro na tela avisando “volte já, antes que encerre a missão!”. A aflição durou pouco, pois no menu principal se abre a opção de exploração livre, onde você pode fazer o que quiser na Sicília. E convenhamos, as missões de The Old Country são criativas, variadas, mantêm uma cadência que te prende e o ritmo acompanha o desenrolar da história. Nem vi o tempo passar.
Além dos gráficos maravilhosos tanto para a paisagem quanto para as feições dos personagens, outro brilho vem da trilha sonora. Ela acompanha bem o tema de máfia sendo predominantemente pesada e sinistra, mas também tem pinceladas de música tradicional italiana. O tema principal gruda na cabeça, deixando o coração deveras sombrio. Outro som que se escuta bastante é o dos carros. São representações fiéis ao que existia na época, dando a partida via manivela para os motores escandalosos. Dirigi-los continua sendo uma parte divertidíssima de Mafia.
Algo que me incomodava profundamente na franquia era o combate corpo a corpo. Em Mafia 2, particularmente, o início do jogo te obriga a se engajar inúmeras vezes num combate horroroso, que quase me fez largar tudo por ali mesmo. Ainda bem que perseverei para receber a recompensa em 2025. O combate corpo a corpo foi totalmente modificado, sendo “um versus um”, com a tela quase num esquema de jogos de luta. O duelo de facas tem esquiva, aparo, golpe de corte ou perfuração, quebra de postura, virou um souslike. Quando vi a divulgação dessa gameplay fiquei me perguntando se isso era comum naquela época. Na semana de lançamento do jogo fui assistir à ópera Cavalleria Rusticana, considerada uma das primeiras composições operísticas no estilo... realismo. A história se passa na... Sicília. O final da ópera é simplesmente um... duelo de facas. Nem precisei tirar minha dúvida no Google.

Todavia, a parte do combate que todos esperávamos era tiro e mais tiro! E devido ao jogo quase sempre te iniciar nas missões de modo furtivo, algumas pessoas estão reclamando que Mafia (além de souslike) virou Assassin’s Creed. Apesar de fazer parte da irmandade dos assassinos, eu não consegui ser tão furtiva assim e entrei em tiroteios maravilhosos. Pelo que me lembro, apenas duas missões te obrigam a ser 100% furtivo e mais uns 3 troféus para os que gostam dessas distrações. Há várias opções de armas de fogo de curto e de longo alcance – com configurações que podem te ajudar ou dificultar na mira – e três tipos de facas com ações diferenciadas. O combate é uma delícia! E se você pensa em platinar o jogo, coloque logo no modo difícil. Não é tão difícil assim e tem troféu.
Outro ponto que melhorou muito em relação aos títulos anteriores são os coletáveis. Tudo bem que ainda é muita coisa para sair procurando, mas, como já comentei, agora são jornais, fotografias e santinhos que agregam aspectos históricos e culturais relevantes ao invés de serem apenas revistas de mulheres nuas. O mapa é belíssimo. Quando o vemos retirando o zoom, a montanha do vulcão ao norte fica em relevo, lhe dando maior imponência e um efeito muito legal. Boa parte dos coletáveis são apresentados no mapa, facilitando a busca para os platinadores, assim como a possibilidade de repetição de cada capítulo separadamente.
No lado negativo, notei engasgos em algumas cenas e o jogo fechou duas vezes em uma mesma missão. Embora não me incomode, houve críticas ao fato do mundo ser vazio, de que não há atividades nas estradas ou nos vilarejos. Argumento um pouco sobre isso na parte de spoilers e por ora me reservo a dizer que nem sempre ficar comparando jogos é saudável. Faz diferença o tamanho da equipe e do orçamento, bem como o escopo e a intenção de cada um. De toda forma, a Hangar 13 já prometeu que uma das próximas atualizações cobrirá esse ponto.
Por último, é importante ressaltar que o jogo tem legendas em português. Comemorar isso em 2025 é meio vergonhoso, mas é a realidade. A dublagem original é em inglês, e o elenco é muito bom. Joguei dessa forma para acompanhar a interpretação dos atores que fazem parte da divulgação oficial do jogo e valeu a pena. A minha segunda jogada foi com dublagem em siciliano e legenda em italiano. É claro que a imersão aumentou, mas nem eu estou acreditando que ainda prefiro a dublagem em inglês. Talvez seja injusto comparar, tendo em vista que os atores em inglês não só dublaram, mas também fizeram a captura de movimento, o que agrega uma outra camada à interpretação. Porém, essa segunda configuração me mostrou algo importante que foi totalmente perdido na localização em português. Na cena de iniciação na máfia, retratada nas publicidades do jogo, os personagens citam várias vezes que ninguém de fora pode saber daquilo, pois é “coisa nossa” - cosa nostra. Revi uma gameplay e em inglês falam “They must not know about our thing”, que virou “Eles não poderão saber de nada” na legenda em português. O termo cosa nostra perde a importância na dublagem e simplesmente sumiu na legenda. Cosa Nostra é o nome da máfia siciliana e o impacto é justamente entender seu significado para os mafiosos, coisa que só peguei vendo em italiano.
Le due famiglie
A Cosa Nostra não era uma organização única, mas sim vários núcleos de famílias, cada um controlando um território e/ou produção econômica local. Assim, a omertà (lei do silêncio de não cooperação com autoridades policiais) deveria ser obedecida não apenas dentro da sua família, mas também entre famílias. A máfia italiana em Nova York e em Chicago era a Cosa Nostra, como pudemos ver nos personagens emigrantes da Sicília nos primeiros jogos.
Até agora não citei o protagonista do jogo, Enzo Favara. Não se engane, ele se tornou meu favorito da franquia. Mas era necessário falar antes de todo o contexto italiano e mafioso porque a história dele é a congregação perfeita de tudo isso. O jogo mostra o desenvolvimento de Enzo com suas duas famílias, a de coração e a da cosa nostra. E essa evolução é milimetricamente gradual, ingênua, bonita, tensa, empolgante e emocionante. Elas parecem linhas paralelas que florescem independentemente, mas uma está intrinsicamente ligada à outra.

Todos os personagens coadjuvantes que circundam Enzo são bem construídos. A falta de expressão com olhar fulminante de Spadaro dá calafrios. Luca e Cesare quase igualam Sam e Paulie na composição do trio perfeito. Don Torissi é o melhor Don da franquia. Isabella transforma o jogo sempre que aparece. A franquia Mafia é conhecida por suas excelentes histórias e personagens cativantes e The Old Country me encantou genuinamente. Mais um belíssimo trabalho da Hangar 13.
Lá vem Spoiler! ’u capisti?
Se você não quer receber spoilers do jogo, pare aqui e volte depois! Se quiser saber a nota do jogo, desça direto até o final da página e suba devagarinho até as logadas que o jogo merece. Sugiro essa última parte da análise apenas para quem já terminou o jogo.
É lógico que a primeira coisa que precisamos comentar é quem dos jogos anteriores aparece neste. O diretor prometeu agrados aos fãs e eu fiquei bastante satisfeita.
Quem não ficaria feliz de ver Leo Galante loiro vestindo o mesmo terno azul em todas as cenas em que aparece? O conselheiro da família Vinci em Mafia 2, que leva Vito para New Bordeaux e lá se encontra com nosso querido Lincoln Clay, já nos mostra aqui seu talento em negócios duvidosos. E lá no bar da família Galante, servindo bebidas, está o próprio Franco Vinci. Gostaria muito de saber como ele passou a ser Don e Leo “apenas” conselheiro.
O falsificador Giuseppe Palminteri que salvamos da prisão para emitir dólares falsos é o faz-tudo (de ilegal) de Joe em Mafia 2. Durante essa missão do Giuseppe é possível encontrar a ficha criminal de Ennio Salieri, nosso Don em Mafia 1. E Samuele Trapani, filho de Luca e Valentina, é ninguém menos que Sam de Mafia 1. O que o pai tentou avisar a Enzo, Sam também deveria ter escutado...

Sobre o mundo ser vazio, acredito que a futura atualização do jogo pela Hangar possa focar nos ladrões que se escondem nas montanhas. Outros tipos de conflito não fariam muito sentido. Discordo especificamente de um dos exemplos dados nessa discussão: em Mafia 2 o Vito podia entrar em lojas para roubá-las e o Enzo não faz nada disso. Em uma das primeiras missões é explicado que parte do dinheiro vem da extorsão de comerciantes e que isso não pode ser feito o tempo todo. Além disso, se tivesse loja para ser roubada, não seria coerente o Enzo ser o agente. A personalidade dele é construída de forma muito clara. Ele não é um bandido nato como Scaletta para roubar por roubar. A sua trajetória na máfia é de conveniência para alcançar a aprovação do pai da mulher que ele ama.
Enzo passou de um abuso ao outro. Foi entregue pelo pai para uma vida literalmente subterrânea, tendo escapado dela para outra metaforicamente subterrânea. Ele jamais viveu, apenas sobreviveu. Quando o amor de Isabella e a esperança de construção de uma família de verdade e longe de abusos surgiu, nem precisaria do aviso de Luca para sabermos o que ele escolheria. As duas famílias se entrelaçavam na sua vida, mas uma era apenas ferramenta para o alcance da que ele verdadeiramente queria.
O final é cruel e ao mesmo tempo esperançoso, como em todos os jogos. E essa é a beleza de Mafia. Eu não sabia se chorava por Luca e Enzo, se olhava o vulcão explodindo e a mansão pegando fogo (a tela inicial inclusive muda após o zeramento – cinema!), se metia a porrada no Tino, se vibrava com a primeira mulher que pudemos controlar na franquia, que depois chega chorando sozinha em Empire Bay... É impossível não querer uma continuação direta de The Old Country depois disso!
Para fechar, volto ao assunto ópera. A comemoração de Enzo entrando para a cosa nostra são os amigos bêbados cantando a música “Libiamo” (bebamos) da ópera La Traviata de Giuseppe Verdi. Um daqueles momentos musicais em jogos que marcam como a jornada tem sido especial. E, claro, destaque à missão no teatro de Palermo. A apresentação ao vivo de La Forza Del Destino também de Giuseppe Verdi me deixou completamente alterada. Eu só queria assentar o Enzo no camarote e ficar assistindo. Para dar um gostinho a mais, além do título devastador que tem tudo a ver com o momento do jogo, a ópera conta a história de um casal que não consegue ficar junto porque a família dela não aceita a origem humilde dele. ‘u capisti?
E aí, vale a pena logar para Mafia: The Old Country?
Já deu para entender que sou uma fã emocionada da Itália e também da franquia Mafia. The Old Country cresceu mais ainda no meu conceito com a segunda jogada que fiz. Se tornou meu título favorito. Dentro da franquia, ele é perfeito. Considerando o contexto do que já tivemos esse ano, ele merece 4 belíssimas logadas. É um jogo imperdível, desde que você entenda seu escopo. Libiamo, libiamo ne'lieti calici che la belleza infiora!



Análise maravilhosa como sempre da dona Ju Bolzan! Depois de jogar, volto para ler o resto =D